domingo, outubro 07, 2007

O parceiro "Importantíssimo"

Ao final dos dois dias que passou em Caracas, discutindo com as autoridades locais assuntos pendentes do relacionamento bilateral, o chanceler Celso Amorim fez algumas declarações sobre a tramitação no Congresso brasileiro do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul, mas se recusou a entrar em detalhes. "Eu não quero ficar aqui, fora do Brasil, discutindo um assunto que é estritamente ligado ao procedimento do Congresso brasileiro. Quando eu tiver de discutir, discutirei com os congressistas brasileiros." Nada mais correto.

Mas o chanceler não parou aí. Ele também disse que a demora da votação do protocolo de adesão "preocupa", que "uma decisão a favor é importante para o Brasil, para a integração sul-americana". Esclareceu que o governo fez vários pedidos ao Congresso para que aprovasse o documento e apresentou argumentos para "desfazer dúvidas". E ainda afirmou que, "sem dúvida, a Venezuela é um parceiro importantíssimo, mais importante que a Inglaterra, Itália ou França". Como não podia deixar de ser, entendeu-se nos círculos bolivarianos que o governo Lula está fazendo todo o possível para que o protocolo de adesão seja aprovado.

O fato é que a diplomacia lulista não moveu uma palha para explicar à opinião pública internacional - especialmente a venezuelana - que o protocolo está encalhado no Congresso porque o governo do coronel Hugo Chávez não cumpre as obrigações indispensáveis para o ingresso pleno no Mercosul. Há tempos, o governo venezuelano deveria ter enviado aos membros do Mercosul o compromisso de adoção do conjunto de normas do Mercosul. Também não estabeleceu o programa de liberalização comercial nem definiu as ações para a adesão da Venezuela aos acordos assinados pelo Mercosul.

Todas essas etapas fazem parte do processo de adesão ao Mercosul. Mas o coronel Hugo Chávez parece acreditar que elas não se aplicam à Venezuela. Afinal, se os sócios titulares criaram para ele uma categoria especial que não existe no Tratado de Assunção - a de membro pleno em processo de adesão -, por que haveriam de exigir coisas mais elementares, como a aceitação formal das regras comuns?

O Congresso Nacional faz muito bem em postergar o exame do protocolo de adesão. Tem sobradas razões técnicas para fazê-lo e incorreria em grave irregularidade se fizesse recair sobre o Brasil o ônus de uma sociedade cujo contrato omite as obrigações do sócio mais novo.

A entrada precipitada da Venezuela no Mercosul foi um erro que ainda pode ser corrigido. Os governos do Brasil, Paraguai e Uruguai cederam muito facilmente aos argumentos do presidente Néstor Kirchner, que apadrinhava o pedido de ingresso de Hugo Chávez como retribuição ao generoso financiamento que salvou a Argentina dos efeitos de uma escandalosa moratória. Na segunda-feira, o presidente Lula afirmou que até o início de seu governo a política externa brasileira padecia de "subordinação intelectual" e o Brasil era um "país colonizado" pelos Estados Unidos e pela Europa. É mais uma de suas patranhas. Hoje, sim, a política externa subordina-se ao regime caudilhesco de Chávez e o presidente Lula se vangloria disso.

O fato é que o regime bolivariano é incompatível com as finalidades e a essência do Mercosul. O bloco é uma reunião comercial e política de países comprometidos explicitamente com a democracia e com a economia de mercado. A Venezuela bolivariana se afasta cada vez mais desse modelo. Lá, Legislativo, Judiciário e Executivo se confundem com a vontade autocrática de um homem. Em breve, a ditadura se institucionalizará, com a aprovação de mais uma constituição desenhada sob medida para e por Hugo Chávez. Enquanto isso, o regime endurece e a economia está sendo estatizada e fechada, num processo que estreita progressivamente os limites das liberdades individuais e políticas. Dias antes de o chanceler Amorim desembarcar em Caracas, Chávez instituiu, nas escolas privadas, currículos obrigatórios de cunho nitidamente marxista-leninista e criou a Comissão Presidencial para o Treinamento Ideológico e a Transformação da Economia Capitalista em uma Economia Socialista. É "importantíssimo" para o Brasil não ter parceiros como esse.

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