quinta-feira, abril 05, 2007

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Fecharam o Congresso e ninguém reparou

A reputação dos políticos brasileiros vai de mal a pior. A única classe que piora mais rápido que a dos políticos é a dos que criticam os políticos. Hoje, um deputado gazeteiro é provavelmente mais útil à sociedade que um desses arautos da “reforma política” que vai consertar o Brasil.

A sociedade inteligente e esclarecida acha o fim da picada a eleição consagradora de Clodovil. Dizem que é um sinal de que a democracia está doente, assim como a volta ao Congresso do eterno Paulo Maluf. O caminhão de votos de Enéas em 2002 provocou chiliques nos cientistas políticos: “um absurdo”, sentenciaram os despachantes do bem.

O “certo”, para eles, não é votar num costureiro deslumbrado, que não vai saber representar o povo. Eles sabem quem é que tem que representar o povo. E um dos mais festejados e respeitados representantes do povo nas últimas duas décadas foi o deputado gaúcho Nelson Jobim, um advogado culto, um ser sofisticado, um luminar. O problema é que, como presidente do Supremo Tribunal Federal, a corte máxima brasileira, Nelson Jobim fez um papel ao qual Clodovil talvez jamais se prestasse.

Como árbitro máximo da República, Jobim fez política. No processo de cassação de José Dirceu, fez discursos inflamados, ironizou outros ministros do Supremo, atravancou os trâmites do caso na Câmara dos Deputados. Como se não bastasse, era candidato à vaga de vice na chapa de Lula, compadre de Dirceu. Clodovil deve ter ficado chocado.

Agora, os esclarecidos que amam Jobim e odeiam Clodovil estão eufóricos porque o STF está prestes a mandar o Congresso instalar a CPI do apagão aéreo. Será mais uma vitória da sociedade contra a operação abafa do governo, calculam os que estão do lado do bem. Não pode haver cálculo mais tacanho.

Essa aparente afirmação da democracia é, na verdade, a esculhambação dela. O Congresso Nacional, como poder da República, está na sarjeta. Como pode ser concebível que a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito – atribuição, competência e prerrogativa do parlamento, como o nome já diz – passe a ser decidida na Justiça?

O parlamento é o poder mais permeável ao povo, mais sensível à opinião pública, mais dinâmico na possibilidade de refletir os movimentos da sociedade. Esse poder está sendo avacalhado em praça pública, por uma sociedade preconceituosa que respeita presidente e juiz, e deplora deputado.

O Brasil colonizado e cronicamente adolescente acha que sempre haverá uma instância superior para dizer às instituições o que elas devem fazer e remendar suas falhas. Daí nasceu o Conselho Nacional de Justiça, uma espécie de superego do superego, árbitro do árbitro. É claro que o festejado CNJ já caiu no pecado, flagrado em surtos corporativistas como a proposta de aumento geral de salários do Judiciário. O jeito é criar o Conselho do Conselho.

A Justiça tanto pode interferir no Congresso para dizer que os mandatos dos parlamentares pertencem aos partidos – medida que parece sadia – quanto para ajudar José Dirceu a tentar se livrar da cassação. Portanto, não há nada sadio nisso. Ao contrário do postulado delubiano, os fins não justificam os meios – especialmente se os meios são a sujeição de um poder a outro.

O Congresso Nacional precisa viver suas contradições internas com liberdade. Elas refletem a correlação das forças políticas no país. Se o governo monta tropa de choque (e todo governo monta), a oposição precisa buscar forças na sociedade – que foi o que essencialmente aconteceu na CPI das sanguessugas.

Essa perda de altivez, verdadeira mendicância institucional do parlamento, significa, na prática, a sua anulação como poder constitucional. Fecharam o Congresso e ninguém reparou.

Na ordem atual das coisas, Collor jamais teria sido cassado. O Supremo, que inocentou o ex-presidente, acabaria tranqüilamente com a brincadeira dos deputados.

Estão abolidos os julgamentos políticos no Brasil. Depois do empastelamento do Congresso, só falta entregar também ao STF a decisão sobre o que a imprensa pode ou não pode fazer.

Guilherme Fiúza

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