domingo, dezembro 10, 2006

Gostei de ler

CHÁVEZ E A DERROTA DA DEMOCRACIA
por Denis Rosenfield, filósofo

A vitória de Chávez na eleição presidencial significa a derrota da democracia. Tal afirmação pode parecer surpreendente, pois o sufrágio universal, ali, parece ter obedecido ao ritual de um escrutínio que seguiu as regras estabelecidas. O senso comum, inclusive, costuma identificar democracia à eleição, como se esta uma vez satisfeita significasse a pura e simples afirmação daquela. A democracia, no entanto, vai muito além disto, pois envolve um conjunto de condições, que diz respeito ao exercício das liberdades em seus mais diferentes sentidos, da liberdade econômica às liberdades políticas, passando pelas civis: a liberdade de expressão e de imprensa.

Regimes totalitários também se aproveitaram dos mecanismos democráticos para derrubar a própria democracia. Hitler é o exemplo mais ilustre, pois chegou ao poder mediante eleições. Todo o seu percurso posterior, porém, foi no sentido de eliminar as condições que tinham possibilitado que chegasse ao poder. Não convém, portanto, insistir no pretenso respeito de líderes revolucionários à democracia quando alegam que a estão respeitando. A demagogia encobre aqui os seus reais objetivos. Digno de nota a esse respeito é o apoio que Chávez recebe da esquerda latino-americana mais arcaica, inclusive a brasileira, que se compraz com suas odes ao socialismo, que deveriam ser mais propriamente chamadas de odes ao autoritarismo ou ao totalitarismo.

Uma sociedade democrática é uma sociedade ancorada na liberdade em suas várias acepções. No mundo moderno, a democracia só se desenvolveu em sociedades capitalistas, baseadas na economia de mercado, no estado de direito, na liberdade de escolha e em benefícios sociais que equalizam as oportunidades dos cidadãos. Não há sociedade democrática que tenha se estabelecido sob o modo de supressão da economia de mercado e do estado de direito. A democracia pressupõe, portanto, uma série de condições que vai desde o equilíbrio dos Poderes até a máxima liberdade de expressão e manifestação, passando pelo respeito às instituições e ao seu modo de funcionamento. Se o Poder executivo, por exemplo, controla totalmente o Poder Legislativo e o Judiciário, torna-se evidente que o caminho está aberto para uma solução de tipo autoritário.

De certa maneira, pode-se dizer que Chávez possui uma certa vantagem quando abordamos o seu exercício do poder em relação a outros companheiros mais dissimulados, consistente em que diz muito claramente o que pretende fazer. O seu floreio lingüístico de que procura substituir a democracia representativa por uma outra democracia tem, pelo menos, o mérito de expressar o seu projeto: a instalação de uma sociedade autoritária de esquerda. O que muda em relação ao projeto leninista de conquista do poder é que o uso da violência é controlado, não se manifestando diretamente sob a forma da conquista do poder pela força. Os seus meios residem no apodrecimento progressivo das instituições representativas.

Chávez já proclamou que tenciona entrar na segunda etapa do processo revolucionário, que se traduz pela sua permanência indefinida no poder, pelo recurso a uma Assembléia Constituinte e pelo controle dos meios de comunicação.

A sua permanência indefinida no poder é condição para a consecução do seu projeto revolucionário. As sociedades do socialismo real foram as que duraram pela dominação estabelecida por um líder máximo que exerceu o poder sem complacência. Fidel Castro na América Latina, Stálin na ex-União Soviética e Mao na China são exemplos dessa tradição. Contudo, ela passa, para aqueles que chegaram “democraticamente” ao poder, pela eliminação de uma condição da democracia, ou seja, a rotatividade do poder. Um líder que domina todo o Estado tende a ser referendado pela população cuja consciência é totalmente controlada.

O recurso a uma Assembléia Constituinte confere uma pretensa legalidade à alteração dessa regra democrática. Controlando completamente essa Assembléia, o líder máximo diz recorrer à soberania popular para se perpetuar no poder. Estabelece-se, então, um traço dos Estados totalitários, o de manter a sociedade perpetuamente em movimento, eliminando os pontos de referência e criando uma situação de instabilidade permanente para os cidadãos. Estes terminam se confrontando uns aos outros em um embate controlado pelo líder que incentiva e atiça esse confronto. A sua permanência no poder depende do uso que faça de uma Assembléia que segue todas as suas diretrizes. Ressalte-se, também, que a perversão da democracia alcança aqui o seu ponto culminante, pois em nome da soberania popular, o povo organizado autonomamente é eliminado da cena pública.

O controle completo dos meios de comunicação é condição para que esse projeto possa se implantar. Assim, a opinião pública poderá ser totalmente moldada, recebendo a sua forma totalitária, em que a divergência é identificada ao crime e a crítica à desobediência. Quando os meios de comunicação perdem a sua independência e o Estado se erige em único representante do público, a liberdade se encontra seriamente ameaçada. Ela é a ante-sala do silêncio dos cemitérios!

e

UM PAÍS TRISTE, ACUADO E TENSO
por Villas-Bôas Corrêa, no Jornal do Brasil

A maior e mais confusa baderna de todos os tempos na história da aviação civil brasileira, com as panes do controle aéreo, certamente encontrará explicações e desculpas oficiais que amorteçam a veemência da perfeita síntese do presidente da Anac, Milton Zuanazzi: "Nunca houve um colapso aéreo desta magnitude no país".

Mas, quaisquer que sejam as justificativas técnicas e o reconhecimento da urgência com que o presidente reeleito determinou a compra de equipamentos para prevenir novas tragédias como a do Boeing da Gol, o episódio é emblemático: flagrante da virada, em cambalhota de circo da opinião pública que passa da euforia dos 58 milhões de votos que emplacaram o segundo mandato de Lula, para a evidência da frustração que infla o país tenso, acuado pela violência e que apaga o sorriso na máscara da tristeza.

Desta vez o governo não tem como jogar a culpa na herança amaldiçoada do antecessor. Espremido pela série de fracassos administrativos, pelos erros presidenciais na calamitosa articulação das alianças partidárias para garantir apoio parlamentar e, agora, atropelado pela queda livre na desordem urbana, que explode por toda a parte, como tumores em organismo dominado pela infecção.

O tal acordo com o PMDB, o primeiro da fila à porta do Palácio do Planalto, começou a fazer água no teste inaugural do desentendimento na escolha do candidato à presidência da Câmara. Ora, legendas que derrubam barreiras para apoiar o governo no novo mandato necessitam acertar os ponteiros no Congresso.

Pois, antes que o avalista da dupla PT-PMDB abrisse os olhos, os petistas lançaram a candidatura do deputado Arlindo Chinaglia à sucessão do deputado Aldo Rebelo, o favorito do presidente, e o PMDB, para não ficar a ver os navios da beira do cais, anunciou que terá candidato próprio. Se a conversa subir ao alto nível do rateio de ministérios, ainda é possível colar o remendo no lanho da aliança.

A decomposição galopante da autoridade presidencial estimula as críticas internas. No drible para negar o choque frontal com a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, a todo-poderosa chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, chega ao limite do destampatório nas críticas ao governo pelas dificuldades que retardam as obras de infra-estrutura no país. Baixa o sarrafo: "O governo deixou de fazer projetos. Hoje há uma fila burra de projetos, onde nem sempre o melhor é aprovado".

Quem é o responsável, dona Wilma? Suspeito que seja o governo, que, murcho e desanimado, tomou um susto ao ver a sua imagem no espelho.

Para esconder o rosto, Lula deu por terminado o primeiro mandato, depois da pancada do crescimento ou encolhimento do PIB para 0,5% no terceiro semestre. As coisas ruins chegam em pacotes. A previsão do Ipea para o crescimento ano que vem baixou para 2,8%, quase metade dos 5% da meta das promessas.

E por aí vamos, ladeira abaixo. A desmoralização do Congresso avança com o perdão, pelo Conselho de Ética do Senado, da censura verbal ao senador Ney Suassuna (PMDB-PB), acusado de envolvimento com a máfia das ambulâncias pela CPI dos Sanguessugas.

A toga organiza-se em mutirão para furar o teto constitucional de R$ 24. 500 e acena com privilégios para juízes aposentados na cascata que regará todas as hortas.

Malha rodoviária em pandarecos, portos desmantelados, a segurança sob controle das gangues do tráfico - de que é mesmo que a população deve alegrar-se? Só mesmo dos 10 milhões de cestas básicas que matam a fome de 44 milhões de eleitores de caderno do presidente reeleito.

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