terça-feira, setembro 25, 2007

Estado doente, sociedade enferma

...O presidente Luiz Inácio, com freqüência, compara positivamente seu governo com todos os que o antecederam. Nega-se em Cardoso, que copia, e reconhece-se em Getúlio, que não copia e seu partido abominava.

O seu "nunca antes neste País" tornou-se o bordão do governo, como, com muito mais sentido, o "brasileiros e brasileiras" de José Sarney e o "trabalhadores do Brasil", de Getúlio Vargas. Nestes últimos, porém, havia o reconhecimento da alteridade do povo, como referência, motivo e destinação.

Esse "nunca antes" não é só desconhecimento da história. É, também e sobretudo, negação da história e da historicidade da política, do poder como missão delegada do outro que é o povo e o cidadão. Nem por isso o povo deixa de estar lá, mutilado, oculto, nas falas do presidente.

Lula, embora nesse sentido precedido por um amador, o presidente Collor, difundiu no Brasil o poder teatral como forma de governar. Ele é platéia e ator ao mesmo tempo. Governa e faz oposição ao governo. Esse, aliás, é o segredo da nova aparência da política brasileira, personificação das duplicidades que nos abatem. Nesse cenário, o povo conta pouco.

Quarenta pessoas são transformadas em rés, pelo Supremo Tribunal Federal, no processo do mensalão, ligadas ao governo. Lula age como se não fosse com ele, cindindo-se como pessoa física, de um lado, e pessoa política que é o exercício da Presidência da República, de outro. Compreende-se. Sua estratégia protege a instituição, mas é também autoprotetiva.

Lula lava a mão em relação a aliados e amigos. Mas lava uma só. Vai ao congresso de seu partido e rompe a harmonia e o respeito da relação entre os poderes. Pede apoio aos réus, solidariza-se com eles, inocenta-os antes do julgamento final. Lula é o duplo, o ser bifronte das inconsistências e ambigüidades da estrutura política brasileira. Não é ele mesmo.

É o outro, gestado pelas anomalias do poder. Faz teatro ao abandonar os amigos e companheiros processados e faz teatro ao pedir a seu inquieto partido, do qual é membro e presidente de honra, que não os abandone.

Lula não é o problema. Ele apenas o personifica e seu teatro político constitui a expressão criativa do governante que, cindido, desempenha com convicção, num mesmo dia, e não raro no mesmo palco, papéis opostos. Ser ou não ser, eis a questão teatral e política.

O problema é a organização do Estado brasileiro, defeituosa da base ao topo, na mutilação da representação política. A Constituinte tentou harmonizar os antagônicos, criou caminhos de expressão harmônica dos opostos, conciliou além da política para viabilizar a política e, ao viabilizar a política, viabilizou o político antes de viabilizar o País e o Estado.
José de Souza Martins
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