domingo, abril 29, 2007

Estupro em forma de imposto

Em mensagem encaminhada ao Congresso, o governo do presidente Lula solicitou a prorrogação até 2011 da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - a CPMF velha de guerra - e a manutenção da alíquota de 0,38%. Nenhuma surpresa. O "imposto do cheque" renderá aos cofres da União, até dezembro, cerca de R$ 35 bilhões. Uma bolada e tanto.

"Não poderemos abrir mão dessa arrecadação nos próximos anos", declamou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. De novo, nenhuma surpresa. Desde a chegada das caravelas, tesoureiros da pátria enfiam a mão no bolso do povo até para subtrair trocados. Nenhum governante renunciaria voluntariamente a esse tributo bilionário. Sobretudo alguém como Lula, sobretudo neste momento tão especial.

Depois de quatro anos de ensaios, ajustes no roteiro e mudanças no elenco, o espetáculo do crescimento está prestes a estrear. É preciso financiar a semeadura dos canteiros de obras do PAC. É preciso dinheiro para a gastança federal. É preciso pagar o salário do ministro Mangabeira Unger.

Também a mansidão do rebanho brasileiro nada tem de surpreendente. Nos Estados Unidos e na Índia, por exemplo, a gula tributária dos ingleses precipitou guerras de libertação. A terra do homem cordial não é de perder a paciência por tão pouco. E engole abusos sem muita careta.

No Brasil, o raquítico inventário de reações a impostos extorsivos ou injustificáveis tem seu capítulo mais vistoso na Inconfidência Mineira. A audácia dos rebeldes mineiros causa tanto espanto quanto o tamanho da tropa: todos os insurgentes cabem num asterisco dos livros de História.

Em 1993, os brasileiros submeteram-se sem gemidos audíveis ao tributo sugerido por Adib Jatene, ministro da Saúde de Itamar Franco. Por algum tempo, incidiria sobre todo cheque emitido uma taxa cujo valor seria destinado a investimentos no devastado sistema nacional de saúde.

Começara a ser chocado, sabe-se agora, o ovo da serpente. Sucessivas prorrogações do prazo de validade transformaram o provisório em permanente. A arrecadação foi engordada por aumentos na alíquota original. E não se investiu em saúde, nestes 16 anos, um único centavo extorquido pela CPMF.

"Esse tributo é uma aberração que deixa estarrecidos economistas estrangeiros", sublinhou o Estadão em recente editorial. "Seu efeito em cascata é mais amplo e danoso que o de qualquer outro imposto, pois a alíquota incide sobre a mera liqüidação de transações já oneradas por outros tributos". Acostumados a tantos abusos, lastima o editorial, "os brasileiros talvez tenham perdido a noção da anomalia".

Os parlamentares acham que sim. Informado de que logo terá de votar a favor da prorrogação da CPMF, o senador maranhense Epitácio Cafeteira sorriu. "Vai ser a seco, sem manteiga?", debochou, brincando com o sobrenome do ministro. A grosseria é adequada ao tema. A CPMF não é um tributo. É um estupro, disfarçado de imposto.
Augusto Nunes - JB

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